Altas produtividades na cultura da soja podem ser limitadas pelo índice de área foliar?

Publicado em 6 de junho de 2018 - Categoria: NOTICIAS


7,6 em 2018, 8,6 em 2030, 9,8 em 2050 e 11,2 bilhões de pessoas em 2100. De acordo com a ONU, essa é a estimativa do crescimento populacional para os próximos 80 anos. Para alimentar 11,2 bilhões de pessoas em 2100, é necessário aumentar a produção de alimentos, que pode ser obtido através do aumento da área de cultivo ou pelo aumento da produtividade. Na maior parte dos países produtores de alimentos, como o Brasil, por exemplo, há muito para explorar, sobretudo em aumento de produtividade. Entretanto, para reduzir a lacuna entre a produtividade atual e o potencial produtivo (PP), é necessário conhecer os fatores ecofisiológicos que mais influenciam o PP, como, por exemplo, o índice de área foliar. Logo, serão definidos conceitos, como o PP, e a relação de alguns fatores de manejo como o grupo de maturidade relativa (GMR) e a época de semeadura, com o IAF, visando atingir produtividades próximas a 6 Mg ha-1.

O potencial de produtividade (PP) é a produtividade de uma cultivar que cresce sem limitações de nutrientes, estresses bióticos (plantas daninhas, insetos e doenças) e água, ou seja, a taxa de crescimento da planta ou da cultura é determinada pela radiação solar interceptada pelo dossel, temperatura, CO2 atmosférico e características genéticas (EVANS, 1993; VAN ITTERSUM & RABBINGE, 1997). Em culturas de sequeiro, a taxa de crescimento pode ser limitada por água e, neste caso, o conceito de potencial de produtividade limitado por água (PPA) é usado em substituição ao PP, no qual o rendimento é influenciado pelo tipo de solo (capacidade de armazenamento de água e profundidade de enraizamento) e topografia do terreno, que limitam o fornecimento de água para o crescimento da cultura (VAN ITTERSUM et al., 2013). Estudos prévios realizados em ambiente temperado e subtropical indicam que fatores biofísicos (eficiência do uso da água e coeficiente fototérmico) e de manejo (data de semeadura, rotação de culturas) governam a variação geoespacial do PP e PPA da cultura da soja (GRASSINI et al., 2015; SENTELHAS et al., 2015; ZANON et al., 2016).

Há, entretanto, uma falta de informações sobre alguns fatores ecofisiológicos chave na formação do PP e PPA, como o índice de área foliar ao longo do ciclo de desenvolvimento, principalmente em locais onde são semeadas cultivares com uma ampla faixa de grupos de maturidade relativa (GMR, indica a região que a cultivar apresenta a melhor adaptação) ao longo de uma extensa janela de semeadura (setembro a fevereiro, em torno de 150 dias), sendo este o caso do sistema de cultivo de soja no Sul do Brasil. Enquanto estudos prévios no Brasil indicam que deficiência hídrica e época de semeadura são os principais fatores que limitam o aumento da produtividade das lavouras de soja (BATTISTI et al., 2013; SENTELHAS et al., 2015; ZANON et al., 2016), pequeno é o conhecimento sobre a influência de fatores ecofisiológicos e sua interação com práticas de manejo (p.e., data de semeadura, GMR e tipo de crescimento) para determinar o potencial de produtividade de soja. Além disso, os estudos que determinaram que os valores de IAF entre 3,5 a 4 maximizavam a produtividade de grãos de soja (ZHOU; CHEN; OUYANG, 2011), foram realizados quando as máximas produtividades alcançadas em experimentos e lavouras eram de 3 a 4 Mg ha-1 (SPECHT et al., 1999).

Com as mudanças nas características genéticas das cultivares e com o aumento do potencial de produtividade para aproximadamente 6,0 Mg ha-1 (ZANON et al., 2016), resurge a necessidade de realizar estudos básicos para apontar os valores de IAF que permitam aumentar a eficiência na captura e uso da radiação solar, visando maximizar a produção de biomassa e grãos em lavouras de soja. Para preencher essa “brecha” de informação sobre o IAF necessário para atingir o potencial de produtividade, e ajustar as recomendações técnicas de densidade de semeadura, manejo de pragas e doenças em função do GMR, tipo de crescimento e época de semeadura das lavouras de soja, a equipe SimulArroz coordenou a condução de mais de 20 experimentos, durante quatro estações de crescimento (2011–2015), em Água Santa, Cachoeirinha, Júlio de Castilhos, Restinga Sêca, Santa Maria e Tupanciretã, em instituições de pesquisa e lavouras comerciais de soja no RS. Portanto, o objetivo desse trabalho foi identificar o índice de área foliar em estágios chaves do desenvolvimento para atingir o potencial de produtividade em cultivares modernas de soja.

Data de semeadura, grupo de maturidade relativa e sua relação no índice de área foliar:

Para cultivares com GMR longo (> 7.0) e médio (5.5 < GMR < 6.9) os maiores valores de IAFmax ocorrem nas semeaduras no final de setembro e início de outubro, diminuindo o IAF com o atraso de semeadura (Figura 1). As cultivares com GMR curto (GMR < 5.4) apresentaram os maiores valores de IAFmax nas semeaduras realizadas no período preferencial (novembro), apresentando menores valores de IAFmax quando a semeadura é antecipada e principalmente quando a semeadura é tardia (a partir de dezembro) (Figura 1). Esses resultados foram relatados recentemente para cultivares modernas de soja, com redução no IAFmax com o atraso da época de semeadura, independentemente do grupo de maturação e tipo de crescimento (ZANON et al 2015a), exceto para as cultivares com GMR menor que 5.5, pois essas apresentaram maiores valores de IAFmax em novembro. No entanto, divergindo de MIYASAKA & MEDINA (1981); MUNDSTOCK & THOMAS (2005), no qual o IAFmax para as “cultivares antigas” ocorria principalmente no mês de novembro, pois nas semeaduras de final de setembro e início de outubro essas cultivares apresentavam maior sensibilidade ao fotoperíodo, no período crítico de indução floral (V0-R0) (SETIYONO et al., 2007), promovendo assim a antecipação do início do florescimento nas semeaduras do cedo, quando comparado as semeaduras de novembro.

Em latitudes subtropicais, onde o fotoperíodo nessa época está abaixo do fotoperíodo ótimo, as cultivares de GMR curto apresentam um fotoperíodo ótimo maior e são induzidas a florescer antecipadamente no início da primavera, reduzindo o IAFmax das cultivares modernas. Para cultivares modernas de GMR longo e GMR médio em função de apresentarem fotoperíodo ótimo menor, não são estimuladas a florescer nas semeaduras do cedo, prolongando assim o período vegetativo e aumentando o IAFmax (SETIYONO et al., 2011; ZANON et al., 2015). Ao comparar cultivares de GMR longo com cultivares de GMR médio observa-se que a diferença de IAFmax é maior nas semeaduras antecipadas (IAFmax= 2,8), reduzindo no período preferencial (IAFmax = 1,1) e quando semeadas após dezembro a diferença é pequena (IAFmax = 0,3). As cultivares de GMR médio apresentam maior IAFmax que as de GMR longo quando a semeadura é realizada em meados de fevereiro (Figura 1).

Nas recomendações para cultura da soja no Brasil e nos EUA, são aceitas perdas de no máximo 30% de IAF durante a fase vegetativa e de 15% a 20% na fase reprodutiva (BUENO et al., 2010, OHNESORG & HUNT, 2015). Entretanto, levando em consideração a tendência apresentada na Figura 1, é necessário ajustar as recomendações, levando em consideração a época de semeadura e o GMR, pois em áreas onde ocorre o atraso da semeadura e/ou a cultivar semeada apresenta GMR curto, o IAF será menor, e o manejo fitossanitário deve ser ajustado para essa nova situação. Acreditamos que o refinamento do manejo fitossanitário de acordo com o IAF, época de semeadura e GMR seja uma forte demanda para pesquisas no futuro.

Figura 1: Relação entre o índice de área foliar máximo (IAFMax.) e a data de semeadura (expresso como dias após 20 de setembro), para diferentes grupos de maturação relativos (GMR). Linha sólida preta mostra a função de 2 grau ajustadas para os GMR < 5.4, linha sólida azul mostra a função de 1 grau ajustada para os GMR entre 5.5 a 6.9 e a linha sólida vermelha mostra a função de 1 grau ajustada para os GMR > 7. A linha tracejada preta representa o IAF ótimo no qual acima dele o ganho de produtividade é menor que 0,5 %.

Índice de área foliar para atingir potencial de produtividade da cultura da soja:

Para quantificar a influência do índice de área foliar na produtividade de grãos da cultura da soja foi adotado a metodologia da função limite proposta por French e Schultz (1984). Equações foram ajustadas para a relação entre índice de área foliar máximo (IAFmax) e produtividade, para cultivares de tipo de crescimento determinado, cultivares de tipo de crescimento indeterminado e para os dois tipos de crescimento.

A função limite entre a produtividade e o IAFmax apresentou valores de IAF ótimo de 6,5 para as cultivares determinadas, 6,0 para as cultivares indeterminadas e 6,3 para ambas as cultivares. Ao atingir esses valores ocorre uma estabilização no potencial de produtividade em função do incremento de IAF, até que a produtividade comece a entrar em declínio em função do aumento excessivo de área foliar, que resultam num maior sombreamento entre as plantas, dificultando a interceptação de radiação solar pela parte inferior do dossel, gasto excessivo de fotoassimilados na produção de estruturas vegetativas, microclima favorável para a proliferação de doenças fúngicas e ao ataque de insetos pragas, além de dificultar a realização do manejo fitossanitário.

Os valores de IAFmax encontrados nesse estudo são maiores que os valores de IAF (3,5 a 4,5) encontrados na literatura para atingir elevadas produtividades de soja, que muitas vezes não tem validação à campo e/ou foram realizados utilizando cultivares antigas, com menor potencial de produtividade (3,5 a 4,0 Mg ha-1). Com o IAF preconizado atualmente próximo a 4,0, é possível atingir produtividades próximas a 4,0 Mg ha-1, produtividade maior que a produtividade média dos Estados Unidos, do Brasil e da Argentina, os três maiores produtores de soja a nível mundial. Entretanto, com o avanço genético das cultivares as produtividades em experimentos e lavouras de alto nível tecnológico chegam a 6,0 Mg ha-1 e, para atingir produtividades maiores que 4,5 Mg ha-1, valores de IAF menores que 4,0 passam a ser um fator limitante. Com valores de IAF maiores que 6,0, é necessário um manejo mais rigoroso em relação a perda de área foliar por pragas, doenças e competição com plantas daninhas, mantendo folhas mais velhas como reserva de fotoassimilados e principalmente de nitrogênio para translocação e enchimento de grãos.

Através de fatores de manejo, como época de semeadura, genótipo, densidade de plantas e manejo fitossanitário é possível alterar a evolução do IAF durante o ciclo de crescimento. Como exemplo na região Sul do Brasil e na Argentina, o uso de cultivares de soja com tipo de crescimento indeterminado e GMR entre 4.0 e 6.0 contribuem para a redução do IAF e, consequentemente, a um manejo fitossanitário mais rígido, pensando em altas produtividades. Dentre os fatores de manejo que mais definem o IAF ótimo de uma lavoura e que podem ser mais facilmente definidos pelo produtor destaca-se o GMR (cultivar), densidade e a época de semeadura.

As máximas produtividades observadas ocorreram quando os valores de IAFmax foram superiores aos valores de IAF (3,5 a 4,5) normalmente citados como próximo do ideal para a cultura da soja, independentemente do tipo de crescimento, GMR e a presença ou ausência de irrigação suplementar (Figura 2). Como o período de enchimento de grãos coincide com o IAFmax, e nessa fase inicia a redistribuição dos nutrientes minerais, carboidratos e compostos nitrogenados para os grãos, provenientes das folhas em senescência, ramos e caule, a nossa hipótese é que os valores ótimos de IAFmax estão entre 6,0 e 6,5 para as cultivares modernas de soja, possibilitando assim atingir o potencial de produtividade para as cultivares indeterminadas e determinadas, respectivamente.

As práticas de manejo na cultura da soja que envolvem o índice de área foliar e maximização da produtividade devem ser ajustadas de acordo com a densidade de semeadura, grupo de maturidade relativa e tipo de crescimento.

Figura 2. Relação entre produtividade e índice de área foliar máximo (IAFmax) para cultivares não irrigadas (círculos amarelos) e irrigadas (círculos azuis) cultivadas no sul do Brasil durante quatro anos agrícolas. A linha sólida preta representa a boundary function para todas as cultivares, a linha sólida azul a boundary function para as cultivares indeterminadas e a linha sólida vermelha a boundary function para as cultivares determinadas.

Índice de área foliar em função de níveis de produtividade das lavouras de soja:

Utilizando a equação (y = 5842 antes de 4 de novembro; y = 5842 – 0.026x após 4 de novembro) proposta por Zanon et al. (2016), foi calculado o potencial de produtividade em função da data de semeadura de cada cultivar, e determinada a diferença entre o potencial de produtividade e a produtividade observada para cada cultivar, em cada data de semeadura. Os resultados dessa diferença foram separados em tercis e classificados em três grupos: alta produtividade, média produtividade e baixa produtividade e relacionado com o IAF em R1 (IAFR1) e o IAF em R5 (IAFmax).

De acordo com o potencial de produtividade em função da data de semeadura estimado pelas equações de Zanon et al. (2016) (Figura 3), foi observada relação direta do aumento da produtividade com o aumento do IAFR1 e IAFmax para lavouras com perspectiva de alta produtividade (Figuras 3A e 4B). A relação expressa no coeficiente angular das equações das figuras 3A e 3B mostram que há uma relação de aumento de produtividade de 0,41 a 0,47 Mg ha-1 a cada 1,0 de aumento no IAFR1 e IAFmax, respectivamente. Portanto, o IAFmax para lavouras de alta produtividade (acima de 4,5 Mg ha-1) deve ser maior que os valores de IAF 3,5 a 4,0 até então citados como IAF ótimo para soja.

Para lavouras com média perspectiva de produtividade (entre 3,0 e 4,5 Mg ha-1), o coeficiente angular das figuras 3C e 3D também mostram uma relação direta do IAF com o aumento de produtividade, porém, em menor intensidade (entre 0,19 a 0,26 Mg ha-1 a cada 1,0 de aumento no IAFR1 e IAFmax, respectivamente). Já para lavouras que apresentam baixa perspectiva de produtividade (abaixo de 3 Mg ha-1), não houve relação direta do aumento do IAFR1 e do IAFmax com a produtividade (Figuras 3E e 3F). Em outras palavras, para áreas que apresentam alto potencial produtivo, onde o solo foi corrigido para pH 6,0 e os níveis dos nutrientes essenciais são altos, sem ocorrência de deficiência hídrica e com bom controle dos fatores bióticos (plantas daninhas, insetos e doenças), a época de semeadura e a cultivar devem ser definidas visando atingir um IAFmax próximo a 6.0 e, consequentemente, produtividades próximas a 6,0 Mg ha-1. Áreas com condições não próximas ao potencial (menor que 4,5 Mg ha-1), devem melhorar o manejo, seja por fatores abióticos e/ou bióticos, antes de pensar em atingir IAFmax de 6,0. Para essas áreas, os valores de IAF de 3.5 a 4.0, citados como IAF ótimo para soja por Specht et al., 1999 e por outros autores, ainda são válidos.

Quando se busca entender o que há em comum entre as lavouras que apresentam IAFmaxentre 6,0 e 6,5 e produzem 6 t ha-1, notamos algumas características em comum, como: semeadura precoce, utilização de cultivares com GMR entre 5,5 e 6,3, rotação de culturas e manejo integrado de pragas e doenças. Nessas áreas com altas produtividades (entre 4,5 e 6,0 Mg ha-1) e em algumas áreas com média produtividade (entre 3,0 e 4,5 Mg ha-1) foi observada uma otimização no uso dos recursos disponíveis, através de um manejo mais próximo ao preconizado pela FAO, que visa a sustentabilidade dos sistemas agrícolas. Portanto, concluímos que: a) há alta relação do IAFmax com a produtividade de grãos em lavouras com potencial maior que 4,5 Mg ha-1; b) há relação do IAFmax com a produtividade de grãos em lavouras com potencial entre 3,0 e 4,5 Mg ha-1; e c) não há relação do IAFmax com a produtividade de grãos em lavouras com potencial menor que 3,0 Mg ha-1;

Fonte: http://maissoja.com.br

 

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